segunda-feira, 26 de novembro de 2007

DEUSES.


Não escrevo com tinta. É antes bílis amarelo-negra de incompreensão, de tumulto intimo. Que busca o eco da força dos perfumes, das casas onde vagam as paixões, as roupas de outro tempo, as luzes, jóias, floreios de danças. Das camas onde repousei meu corpo. Ainda que derrube os ídolos e destrua os templos, não matarei os deuses. Que, dissolutos, iam enredando a trama da minha poesia, depurando o pouco verbo entre o crer e o descrer. Porque assim quis o destino, e sobre minha fragilidade moldou um poeta de sentimentos nobres e vãs palavras. Abala-se a fé mas os deuses não morrem, e isso há de excepcional, pois que seguem destilando a palavra, cálido afeto. E a verdade, a vida, a imortalidade e o arrependimento, que de resto não dura mais que um dia ou dois. - (Dário B.).

terça-feira, 30 de outubro de 2007

SE EU FOSSE DEUS REFORMARIA.

O cinza do céu,
o adeus, a vingança,
a enfermidade, o mal,
o olho triste da criança.

O ódio medonho,
a ausência, a cama de chão duro,
a velhice, a dor,
os limites para o amor.

As sombras, o imponderável,
o onírico impalpalpável,
o súbito, o impossível,
o som inexprimível.

Se eu fosse Deus reformaria,
a criação, os mandamentos, todos dez,
só tu permanecerias,
exatamente como és. - (Dário B.)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

TROCA.

Repete de novo meu nome, com a chama que tens na garganta,
e nesse caos de formas, cores, sensações e possibilidades,
dá-me de novo os beijos que colocavam estrelas no céu da minha boca.
Traz a palma que dá sombra ao nosso encontro.
Mostra-me os olhos da cor da madeira adulta,
as mãos tão sem anéis que semeiam magias plenas pelo ar.
Dá-me teu ventre por leito eterno num momento rubro de torpor.
E eu te dou o rio que corre pra ti, e arrasta espinho e pedra e dor. -
(Dário B.).

SOBE?

SOBE? Eleva a dor sempre. Este edifício não tem último andar! – (Dário B.).

VIVER.

Já estar aqui quando o Tempo não havia, e ser o homem que matou a morte. Não precisar nunca sacudir os ossos e o ócio. Nem carregar nas costas o peso de não saber ao menos 3 mil volumes e ter a tranqüilidade do livro ainda na barriga da árvore. Ignorar o canto do galo renitente que insiste em viver em meio aos prédios. Devorar a fome para torná-la inútil. Esquecer que só há uma jogada, contra os naipes marcados da morte. Acordar sempre de madrugada e chegar atrasado para tudo. Habitar a cidade dos ventos, ponto sem a essência da dor. O calmo mundo de antes, sem volta nem ida, com apenas uma porta de saída. Viver sem o medo de ter um medo maior pré-original. Clandestino, secreto, espontâneo, ter o poder de um pequeno deus. Viver enfim. – (Dário B.).

POETA.

Poeta, demônio de chifres de luz e cascos de vento. Abre no meio da rua suas asas, e entre o céu e o inferno, é eterno. Mede seu tempo no relógio dentro do peito, coração sem ponteiros, a medir a falida subtração da vida. Caminha os caminhos do próprio corpo que é medida do que está sempre adiante, perdido em terra distante. Atravessa a vida de sinais fechados, e traz na boca o sangue morno de violar corações e cadeados. Buscador eterno dos sonhos, se não é completo é feliz, não sendo mil folhas, é raiz. Traz musa, segredo, alvo e punhais, submisso a mão implícita das palavras ancestrais. Por desconhecer a vingança, da-se por herança, apenas a vasta espera da esperança. – (Dário B.).

terça-feira, 10 de julho de 2007

AZUL.

Acho chato usar lugar-comum, dizer que vida é feita de encontros e desencontros. Prefiro os reencontros, como aconteceu entre eu e a Genny depois de alguns outonos. Claro que eu lucrei muito mais com isso, ela me deixou postar dois poemas (só dois), mas a vontade é encher o blog com tudo de lindo que ela escreve. Obrigado Genny, não some de novo, tá?

O AMOR.

Do amor, só se tem dizeres:
Amor, vigor, tremor...
encanto, deslumbramento posto
entre o muro e o abismo.

Do amor, só se tem temores:
Amar, sofrer, ferir...
encontro, desencontro breve
que paira na finita razão do tempo.

Do amor, sejamos sinceros!
esperamos a redenção,
lembrança de um pecado original
que ainda não superamos.

Do amor, desejamos:
a flor e a náusea,
porque quase nada
entendemos dele.







Genny Xavier
Itabuna-Bahia

A METALINGUAGEM DA REBELDIA.

“ (...) Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero
há calma e frescura na superfície intata. (...)”
(Carlos Drummond de Andrade)

O poema não é a claridade
a reverência
o sopro
a clarividência.
Muito menos
o amanhecer apressado
o gosto da pasta de dentes
o namoro enviesado
o livro de ponto
o incidente
a casualidade
o acidente no trânsito
o ônibus lotado
o sabor eterno - salgado e doce:
almoço e sobremesa.
Ainda não é
pura e simples
a expressão militante
todos os chavões do engajamento
o estereótipo da luta
o vampirismo rubro
dos que ainda bebem o sangue dos revolucionários
a mentira...
O poema também não é a estética
o formalismo
ou a escola
- estilo de época -
Tantas falácias!
Tantas minúcias!
E apologias de belo
de formas
ou perfeição.

Por que enquadrar o poema?
O poema, coitadinho!
Vai servindo de muleta
de artifício
de instrumento
nas mãos dos que não sabem falar.
Diz um verso o político:
arremata o verso pensando na glória
inaugura um ponto no coração do povo
- Demônio pregando Evangelho! -
E não respeita o poeta
que se mergulhou até os quintos dos infernos
para arregaçar a poesia.
Diz um verso aqueles homens pomposos:
empresários e patrões, mestres e phds.
Estão crentes que detém as palavras
e se fazem senhores da sabedoria
- Ah, grandiosa vaidade!
Medonha megalomania! -
Nesse instante, o poema é armadilha
e o poeta vira Santos Dummont
- o inventor ludibriado -

O que seria das academias
se o poema fizesse greve
e empenhasse a bandeira
contra o utilitarismo do verso?
Não teríamos o sonho.
Não teríamos o grito.
Não teríamos a utopia...
Até a música se tornaria tímida.
Até o samba entristeceria.
E o carnaval nem chegaria à quarta-feira-de-cinzas.
Certamente
os homens simples chorariam
os homens-máquinas tentariam um golpe
os homens-cérebros sentiriam alívio
e os governantes tentariam conchavos
mandariam representantes
mediadores
diplomatas...
Talvez, até
Os Estados Unidos
declarariam guerra
e apontariam o risco de uma Terceira Guerra Mundial.
E seria tanto besteirol
tanto melodrama
que, entediado, o poeta dormiria
e, junto com ele, a poesia.

Ainda ontem
levaram o poema ao médico.
O poema estava surdo
estava mudo
estava tonto...
Nenhuma homeopatia preveniu
nenhuma alopatia deu jeito.
E o poema ficou guardado no livro
aposentado
inútil...
apenas olhava os homens
por alguma fresta
entre páginas amarelas que a traça comia.

Encarcerado, o poema fede
mofo!
Sobras de purezas apodrecidas.
Restos de sonhos putrefatos.
Lixo orgânico de civilização morta!
O homem é o poema
mas, cadê o homem que o filósofo ainda procura?
Cadê a poesia do Cântico dos Cânticos ?
Pasárgada?
O poeta que manda o homem guardar rebanhos?
A explosão da Bomba Atômica no coração da gente?
O poema é o fardo do mundo:
todas as bocas
todas as perplexidades
todo susto
e as trepadas 100%.
O poema é o fardo do mundo:
asas que voam noturnas
testemunho ocular dos crimes
e dos amores - eternos (?) ou de ocasião -
O poema é o fardo do mundo:
sombra que paira
poeira nos olhos dos menos avisados...
a rasteira
a canseira
a bofetada
o tédio
o ócio
o bicho.

Nasceram flores naquele teto de poeta.
Que flores? Que poesia?
Será o teto a lápide?
E as flores o epitáfio?
Por que passam, medonhas, as imagens
pela mente do poeta?
As palavras não traduzem exatamente
o tamanho da estranha força
dos sentimentos sobre as coisas
das coisas sob as estrelas.
Mas nem isso retrocede a mágoa
da desvalia do verso sob o cartão de crédito...
E vai se acovardando a poesia
entre os dedos trêmulos do poeta
virando metalinguagem
de um fazer solitário
sofisma quase parnasiano
- a poesia pela poesia -
Porque não tem quem mais ame a poesia
do que o poeta.
Lasciva é a dor!
E o pranto e o vento...
E a poesia, atordoada, enfurece.
Cresce as unhas e os dentes
soltando fogo pela boca do poeta.
Insano furor!
Atroz magia!
E o verso vai guardando os pedaços
da sua destruição
no coração do leitor
que se inquieta
e nunca mais esquece
os olhos da poesia...
A sua voz que fala
tinindo um som medonho dentro da cabeça.
A poesia é docemente monstruosa para quem ler.

Tem dias que as coisas
pairam cínicas
até sobre os risos infantis
das crianças no parque.
Estão ali toda a matéria do verso
pelas mãos dos meninos sujos
que mendigam algodão-doce
roda gigante
e pipoca.
Os meninos são o verso
que emporcalham as caras pintadas
das madames que passeiam com seus filhinhos...
Tem dias que as coisas
pairam cínicas pelo mundo
e o drama vira humor;
o pranto, caricatura;
o susto, ironia...
Matéria explícita do verso
correndo pelas veias
e pelos esgotos...
Veias abertas.
Fétidos esgotos!

Que lirismo fala a poesia?
O amor que palpita?
O amor que escorrega?
O corpo que incendeia?
A fumaça que se esvai?
Que lirismo nos toca a poesia?
Horas vagas
máximas
translúcidas...
Cochicha-se o grito na hora do amor.
O verso escancara-se solto.
Perde a razão:
metafisiologia
metagonia
silêncio que se quebra
sussurros
espasmo
paixão...

Mas, retorno à palavra:
imperiosa razão
cristalina tensão!

A vontade da palavra
abre um flanco em mim
- corte quase físico -
a mostrar minhas veias
abertas e azuis
e um rosto que expressa
uma estonteante
e mentirosa serenidade...
Qual!
Onde estão as palavras que procuro?
Tão grandes em mim
tão grandes e distantes...
Perplexas
diante do tamanho
do meu pensamento
e da minha incapacidade de expressão
em código palpável.
Onde está o mistério que paira?
Todas as incógnitas indecifráveis
a neutralidade do duelo
entre Deus e o Diabo?
- Para inexistir o bem e o mal -

Arre!
Por que mudar o tema
e a razão do poema
quando a palavra
foi apenas provocação?

Ah! Criva-se, então
nesta luta de escrevinhar
sobre o limbo das coisas
o artifício do poeta.
Pois o poeta tem nas pontas dos dedos
uma palavra mágica
uma literatura de afiada transcendência
uma geometria de linhas traçadas
uma lógica matemática
uma obviedade histórica.
Ilimitados poderes
que percorrem acidentes geográficos
ultrapassa leis físicas
e restabelece a alquimia dos dizeres.
O poeta que alteia e lima e tece a poesia
e capta simbologias
e bate asas feito o condor
e experimenta vanguardas...
Este poeta é o mesmo
seja em épocas remotas
seja em dias de hoje
seja em horas diurnas
seja em horas noturnas
seja num tempo tardio...





Genny Xavier.
Itabuna-Ba.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

VONTADES.

Se está tudo pesado, medido e dividido, quero a minha parte do inferno. Embriagar-me com o fel que me foi reservado. Mas não essa amargura mesquinha que é comum a todos. Quero a totalidade da dor do espírito. Trevas totais onde nem uma nesga de luz seja esperança. Qualquer som banido a uma distancia infinita e a paz da surdez total seja um bloco a me pressionar os miolos, longa e ininterruptamente. A lepra a me comer os dedos pra não tatear em busca de um inferno mais brando. Quero os crimes que deixei de cometer por covardia. A atrocidade daqueles amores abortados por medo. A vileza e o escárnio dos outros, descartados por não servirem mais ao egoísmo da vaidade. Estar acorrentado a pedra, com o menosprezo que tive pelo amor do outro a me bicar eternamente a mente insana. A futilidade dos desejos vãos nunca saciados na busca daquilo que se deixou pra trás. A maldade concreta dos meus atos contradizendo a mansidão do meu discurso, e possesso rir disso, atrás das mil máscaras que escolho. E assim torpe, pensar enganar a mim, e escarnecer dessa consciência inútil que me julga, até torná-la tão mínima que seja indiferente existir ou não. Não a morte, que com sua mão de ausência tudo apaga, mas quero a dor infinita e insuportável de não saber mais o que sou nem o que faço, e que virá por fim como uma paz a me redimir pelo quis e não fiz. Quero me mexer, ir e vir, e estar morto como você. Assim vou e vais me entender. - (Dário B.).

sexta-feira, 23 de março de 2007

MIAU.

Andas nua pela casa,
não para me provocar,
mas pra te fundires com o ar que é teu elemento.
Por ele me chegas,
felina criatura de suaves garras,
e insuflas desejos indiziveis na linguagem dos Homens.
Teus passos lentos, lentos, lentos...
os movimentos leves, leves, leves...
dão o compasso do infinito prazer que nos tornou um.
Aspiro-te e sou. - (Dário B.).

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

REFÚGIO

Acode-me, Arte da Poesia,
tu que sabes todos os remédios.
Por que dela o riso, já não mais cai sobre mim,
a suavizar as marcas da face,
e as cicatrizes do corpo?
Por que a prata do seu olhar,
não mais fulge cores no meu ver?
Que é da nuvem de cabelos,
a agasalhar meu frio infinito?
Onde tocam as suaves mãos,
mães de magias sem fim?
Como de novo acompanhar,
a febril dança dos seus pés?
Quando outra vez repousar,
no indizível leito do seu corpo?
Faz chegar os teus remédios, Arte da Poesia,
ainda que só por um instante.
Ameniza a dor deste punhal,
com a Fantasia e a Palavra. - (Dário B.).

FAVORITOS XIII

Acho a maior graça. Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere... Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde. Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0 km. Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha. Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos. Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias. Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago. Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano. E telejornais... os médicos deveriam proibir – como doem! Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada. Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde. E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda. Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna. Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca. Conversa é melhor do que piada. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida. Sonhar é melhor do que nada. (Luís Fernando Veríssimo)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

NÃO SOU INGRATO...

... e nem poderia ser. Vocês já devem ter percebido que meu blog é um pequeno mosaico formado por peças não só minhas. Os dois poemas postados abaixo, de autoria da Clara, significam pra mim mais do que só dois poemas. Leio deitado numa banheira, imerso em trevas totais, comendo papos-de-anjo. Tem algumas pessoas que surgem em nossa vida, e sem nos dar conta instalam-se como um posseiro em nosso coração. Foi assim com a Clara, e ainda bem pra mim. Obrigado por existir, por estar sempre presente.
Agora mesmo trago, a vontade de não censura,
livre como só os pássaros,
em busca de um coração fiel.
O vento leva consigo as sementes,
plantamos em solo fértil o que um dia será...
será com sol ou chuva, tremulo, perto ou distante,
o que importa é o agora, que é e que ainda virá

atropelos, é o sentimento das horas
e nada mais meu bem, além de bem querer,
como um raio de amor e luz,
como descarga elétrica a nos envolver,
ar em torno de vácuo, unindo os corações.

Clara Schumann ( Milene)
Te chamo, marco meus passos, acolho o mundo
única ando em palavras e sons
se vejo cinza tudo é cinza,
se vejo rosa, tudo é rosa
acredito e te ganho,
sem crer, tudo já perdi sem querer.
Nos olhos está o feio e o belo,
o doce e o amargo que queima
posso chorar com a criança que chora
ou rir dela e de mim.
Na vida que sinto
imagino, vejo e sou
escolho o que sou e vejo
a vida ou a morte,
os sonhos que quero real
o passado e o futuro
olho nos olhos e faço.

Clara Schumann (Milene)

POETAS SÃO GENTE.

Eu vivo pra poesia mas poetas não vivem pra mim. Espero que eles me alimentem como a um coelho faminto. Eles não sabem disso. É melhor mesmo que não percebam o quanto são necessários. De outro modo seríamos ultrapassados por eles e eles não saberiam quando parar. Um excesso de poetas não seria uma boa idéia pro nosso mundo. Nosso mundo necessita apenas de um certo número. Embora isso ainda não tenha sido atingido é importante que a poesia seja controlada.
Eu sei. Tenho observado poetas vagabundeando por aí, esperando o momento de atacar. É pior do que haker atacando. Uma visão horrível. A pessoa atacada correrá pela rua gritando. Pode até amaldiçoar o sistema, e fugir de casa levando sua filha com ele. Poemas têm um jeito de infeccionar os pobres idiotas que os escrevem. Poetas ficam em silêncio durante conversações, esperando uma brecha. Subitamente, sem aviso, um poeta falará uma sentença que acabou de pensar, e aqueles em volta gritarão como que atingidos por um curto-circuito.
Você gostaria que isso acontecesse freqüentemente? Levaria meses pra se voltar a qualquer aparência de normalidade. Isso pode ser uma boa de vez em quando, como mudança. Mas pára um momento e procura imaginar o pessoal do governo de Sua Majestade todos os dias fazer suas transmissões, como faz, mas cada uma ser um poderoso poeta. A confusão seria indescritível. A nação ia parar nos trilhos e colher flores pros vizinhos. Carros iriam se abalroar no tráfego pros motoristas saltarem e apertarem as mãos. Greves seriam desnecessárias pois ninguém trabalharia. A vida seria boa demais pra se perder. Cada dia seria vivido sem plano e cada momento saboreado como vinho novo. Cada pôr-do-sol seria uma revelação e uma promessa pra amanhã.
Todo mundo faria amor. Mesmo os doentes. Melhor seria os poetas não usarem palavras. Melhor que nascessem mudos. Melhor que cortassem as línguas, se falassem. E melhor ainda, se pensassem, ficassem em silêncio. Deus nos proteja de suas invocações ferozes, pelo menos até termos tempo de praticar exercícios de poetas mortos, pra estarmos em forma a fim de tentar hoje outra vez. Poetas não percebem. Enquanto vivem são ervas daninhas. Quando morrem são fertilizantes.
PS - Obrigado por mais este, Millôr, põe na conta !

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

ÍTACA.

UMA DAS COISAS MAIS LINDAS JÁ ESCRITAS SOBRE A VIDA:


Quando fizeres tua viagem à Ítaca,
pede que o caminho seja longo,
cheio de aventuras, cheio de experiências.
Não tema aos lestrigões nem aos cíclopes,
nem ao colérico Posseidón,
tais seres jamais acharás no teu caminho,
se teu pensamento é elevado, se é seleta
a emoção que toca teu espírito e teu corpo.
Nem aos lestrigões nem aos cíclopes
nem ao selvagem Posseidón encontrarás,
se não os levas dentro da tua alma,
se não os ergue tua alma diante de ti.

Pede que o caminho seja longo.
Que sejam muitas as manhãs de verão
em que chegues - com que prazer e alegria! -
a portos antes nunca vistos.
Detenha-se nos empórios de Fenícia
e faz belas compras de mercadorias,
nácar e coral, ambar e ébano,
e toda sorte de perfumes voluptuosos,
compra o mais que puderes desses perfumes.
Vá a muitas cidades egípcias,
a aprender, a aprender com seus sábios.

Tem sempre Ítaca em teu pensamento.
Tua chegada ali é teu destino.
Mas não apresse nunca a viagem.
Melhor que dure muitos anos
e atracar velho já, na ilha,
enriquecido de quanto ganhaste no caminho
sem esperar que Ítaca te enriqueça.

Ítaca te deu tão formosa viagem.
Sem ela, não haverias iniciado o caminho.
Mas já não tem mais nada a dar-te.

Ainda que a aches pobre, Ítaca nunca te enganou.
Assim, sábio como te haverás feito, com tanta experiência,
entenderás já o que significam as Ítacas. - (Constandinos Petros Fotiadis Cavafis.).


PS - A tradução foi (mal) feita por este blogueiro, deve haver outras mais fiéis já publicadas. Mas é assim que eu gosto de imaginar a minha viagem.

domingo, 21 de janeiro de 2007

O QUE É O POETA?

Não importa o nome, talvez hermes, mas era um belo cão de caça. Seu dono porem, não é um caçador, é apenas um poeta. E isso fica claro para hermes um certo dia, de modo dramático. Satisfazia-se até então nos passeios diários, com a corrida tão ruidosa, quanto inútil atrás de lebres e patos. Não conhecia outra coisa. Naquele dia porém, um homem de aparência rude e vigorosa, de pé na outra margem do rio, enviou um relâmpago de uma vara tonitroante, e um pato caiu pesadamente nas águas, logo apanhado pelo solitário caçador. O tiro foi um choque tremendo para hermes, uma espécie de estalo canino. Nunca sonhara com semelhantes possibilidades. Seu amor – o poeta – não pode deixar de sentir um complexo de inferioridade. Na volta para casa, hermes parece repreende-lo, chegando até a bocejar de quando em vez. Fato que enche o poeta de ira amarga. O bocejo diz distintamente: “Belo amo este! Que tipo de dono! Senhor vagabundo!”. Pela justiça das coisas o cão deveria pertencer ao caçador ativo, e não ao dono contemplativo que vive no mundo da imaginação. Este é um dono falso, imposto, que não faz jus aos instintos saudáveis de hermes, e não sabe corresponder-lhe à altura. Não é sem razão que o cão se julga vitima de uma fraude. Seu dono é um charlatão, um ser que representa o que não é. Um “senhor vagabundo” que apenas “passeia” pela vida, mas que não “caça”, que não entra em contato substancial e decidido com a realidade. O poeta vive como que com a mão no gatilho, sem nunca atirar. Mas é seu o reino infinito das possibilidades e da imaginação, ele vive todos os papeis sem optar por nenhum; A opção seria o tiro, o compromisso com a realidade que exclui o pairar na esfera das possibilidades. Seria a identificação definitiva. Mas prefere ser um deus mítico despedaçado que surge ressurecto da tumba. Essa queda, confinamento e morte provisória é seu desenvolvimento espiritual. Essa sua multiplicidade de almas, longe de simbolizar apenas o artista, define a condição fundamental do ser humano, a natureza e o espírito. Entre o animal e o anjo situa-se o poeta. Daí o seu dom de não aderir a vida imediata, de poder afastar-se dela com a leveza da imaginação e do espírito. A catexia é a sua arma. É o champanha composto de vinhos vários, espuma sem substancia sólida, algo das caçadas infrutíferas de hermes. É o alcoviteiro que estabelece comércio entre o espírito e a vida, o saber e a beleza, as alturas e as profundezas, entre Apolo e Dionísio. Deus erótico e fálico, enfim, que não ama a separação e exalta a união entre os seres. Mediador entre o ser e a aparência, a idéia e o esplendor, sensível intercessor alado entre a vida e o espírito. O cão hermes sempre atravessará o seu caminho. O poeta permanece com o dedo no gatilho. Prossegue, sem nunca partir, pairando no reino das possibilidades, mera possibilidade das possibilidades. Relâmpago tonitroante no vôo imaginário do leitor, mercê seu selo hermético. - (Dário B.).

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

SÓ.

Com a melancolia reconhecida
dos que falam consigo mesmo,
embora o teu nome não saia da minha boca
sei que o meu não brotará na tua.
Pronto para vestir mil trajes,
desempenhar mil papéis,
suplicante, imperativo, ressentido, amoroso,
e mesmo negando, reafirmo
a necessidade de ti.
-“Vês? Não me fazes falta!”
...e toda a minh’alma no “Vês?”... !!!
Suporto mal a idéia de não ser amado.
Sentir de novo em mim a solidão,
e o frio mortal dos espaços infinitos. – (Dario B.).

DÚVIDA.

Alguém já viveu minha vida por mim,
mas só a alegria.
Minhas mãos,
meus sonhos,
abrem
todas as possibilidades,
com fome de raízes sob a terra.
A rua,
(que não existe mais),
cada vez mais estreita pra mim,
e onde não me é dado
saber,
se sou eu,
ou tu,
a me passear.
Flechas, flashes, seixo,
rolando,
ainda? – (Dário B.).

AMADA.

Uns poucos versos te peço que componhas,
para epitáfio de um poeta menor.
Algo sutil e delicado, tu podes.
És a mais indicada para escrever sobre este poeta.
É certo que falarás de seus poemas -
mas fala também do seu carinho,
do seu carinho delicado que tanto quisestes.
Teu verso é sempre belo e musical.
Mas quero agora toda a tua maestria.
Nossa dor e nosso amor passam a ser uma língua estrangeira.
Verte a tua sensibilidade à esta língua estranha.
Amada, hás de escrever teus versos de tal modo
que tenham – já sabes – algo neles de nossa vida,
que o ritmo e cada frase mostrem
que é uma amada que escreve sobre outro amado. - (Dário B.).

BÁLSAMO.

Por qual pecado volta novamente
a ferir-me as carnes este açoite?
Decidido está que eternamente
em mim, sempre a luz se faça noite?
Tenho ainda de passadas eras minhas,
no peito, um ferrete de estranho luto,
de esperanças vis e vãs e mesquinhas.
Dentro dele suporto, um infecto fruto.
A ilusão em agonia chama-se esperança.
O desejo, o que é, a não ser a vigília
do funeral em que é vedada a nossa presença.
Tenho totais trevas também na lembrança,
insana morada, com estranha mobília
que por fim carregarei como ultima crença. – (Dário B.).

HÓSPEDE.

Quis conhecer por experiência
o principio imaterial da vida
e, encontrei na própria consciência,
estigmas dessa velha ferida.

Renegada lembrança perpétua
a brincar branda e macia na alma,
suave figura que distante e fátua,
maltrata, fere, ofende e acalma.

Ressurge sempre com novo cabedal.
Uma vez mais nos torna servos
no seu estranho e horrendo festival!
Reagir? Lutar com fúria animal?
Nada! Rendemo-nos como parvos
a esta benção do panteísmo universal. - (Dário B.).

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

FAVORITOS XII

UM VELHO

Nos fundos de um ruidoso café,
inclinado sobre a mesa, está sentado um velho;
com um jornal em frente, sem companhia.
E no abandono da sua triste velhice
pensa em quão pouco aproveitou os anos
em que ainda tinha vigor, palavras e beleza.
Sente, vê; Sabe que envelheceu muito.
E, no entanto o tempo em que foi jovem lhe parece
ontem. Quão pouco tempo faz, quão pouco tempo!
Vê como dele zombou a Providencia
e como Nela acreditou sempre – que loucura! -
que enganadora dizia: “Amanhã. Tens Muito tempo.”
Recorda impulsos que teve e tanto
aproveitou como sacrificou. Cada ocasião perdida
sem pena debocha agora de sua sensatez.
...Porem de tanto pensar e recordar,
o velho cai entontecido. E dorme
apoiado na mesa do café.

(Cavafis).

domingo, 14 de janeiro de 2007

FAVORITOS XI

DE BINÓCULO
Abaixando o copázio
empunhando o espadim
levantando o corpanzil
indiferente ao poviléu
o homenzarrão abriu a bocarra
fitando admirado
a naviarra do capitorra. –
(Carlos Saldanha.).
PS MEIO QUE INVEJOSO:- Este eu bem que gostaria de ter escrito...

FAVORITOS X

TU E EU.
Somos diferentes, tu e eu.
Tens a forma e a graça
e a sabedoria de só saber
crescer
até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
que não sei qual é.
És de outra pipa
eu de um cripto.
Tu,lipa.
Eu,calipto.
Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy.
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.
És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico.
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.
Gostas daquelas festas
que começam mal
e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou penitente
e, ao mesmo tempo,
o prior.
Tua és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Somos cada um de um pano
uma sã
outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.
Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo. -
(Luis Fernando Veríssimo.).

FAVORITOS IX

MEIA HORA
Não te possuí, nem nunca, creio,
te possuirei. Algumas palavras, uma caricia,
como no bar anteontem, e nada mais.
É, ainda que eu não o diga, triste. Mas nós, escravos da Arte,
às vezes, com a intensidade do pensamento e, rapidamente,
só por pouco tempo, criamos um prazer
que parece quase real.
Assim no bar anteontem – com a ajuda, alem disso,
do muito compassivo álcool -
desfrutei meia hora de total erotismo.
E tu o compreendeste, me parece,
e de propósito ficaste um pouco mais.
Era sumamente necessário. Porque
com tanta fantasia e o álcool mágico,
tinha que olhar teus lábios,
tinha que estar próximo ao teu corpo.
(Cavafis).

FAVORITOS VIII

QUE VENHAM.


Basta uma vela.
Sua tênue luz
é mais adequada,
será mais acolhedora
quando venham as Sombras,
as Sombras do Amor.
Basta uma vela.
Que esta noite a alcova
não tenha muita luz.
Na ilusão, inteiramente,
e a sugestão,
a meia luz -
na ilusão, assim,
sonharei
que vem as Sombras,
as Sombras do Amor.

(Cavafis)

FAVORITOS VII

O TINTEIRO
Nobre tinteiro sagrado do poeta
de cujas entranhas nasce um mundo,
quando à ti vem uma idéia,
que com certa graça nova te assedia.
Tinta, aonde encontravas riquezas
tão fabulosas? Quando cada traço teu flui no papel
um novo diamante se reúne
ao cabedal da fantasia.
Quem te ensinou as palavras
que lanças ao mundo e que nos enchem de entusiasmo?
Os filhos de nossos filhos as lerão
com o mesmo ardor e emoção.
Estas palavras que ressoam em nosso ouvido
como escutadas pela vez primeira, aonde as achaste?
Não são, no entanto, de todo estranhas -
nosso coração em uma vida anterior já as sabia.
A pena que molhas lembra um ponteiro
que no relógio da alma se move.
Os minutos do afeto conta e limita,
as horas da alma conta e muda.
Nobre tinteiro sagrado do poeta
de cuja tinta nasce um mundo – à minha mente surge agora um pensamento,
quanto mundo dentro de ti se perderá
quando uma noite, o fundo sono caia sobre o poeta?
Ali ficarão para sempre as palavras;
Alguma mão estranha poderia acha-las e brindar-nos com elas?
Não, tu, fiel ao poeta lhas negaria.
(Cavafis).

FAVORITOS VI

ESQUECIMENTO
Encerradas em uma estufa
cercadas pelos vidros, as flores esquecem
como é a luz do sol
e como sopra ao passar, a úmida brisa.
(Cavafis).

FAVORITOS V

DESDE AS NOVE
Meia noite e meia. Depressa passou o tempo
desde as nove quando acendi a luz
e sentei-me aqui. Estava sentado imóvel
e sem falar. Com quem iria conversar
eu sozinho nesta casa.
A imagem do meu corpo jovem,
desde as nove quando acendi a luz,
chegou e me encontrou, e lembrou-me
de pequenas alcovas perfumadas
e o prazer já passado – que ousado prazer!
E trouxe outra vez diante meus olhos
ruas que agora já não reconheço,
lugares cheios de vida que desapareceram
e teatros e bares que uma vez existiram.
A imagem do meu corpo jovem
veio e trouxe-me a tristeza;
lutos de família, despedidas;
saudades dos meus, saudades
tão pouco sentidas dos mortos.
Meia noite e meia. Como passou o tempo.
Meia noite e meia. Como passaram os anos.
(Cavafis).

FAVORITOS IV

A CIDADE
Disseste: “Irei à outra terra, irei à outro mar,
outra cidade há de haver melhor que esta.
Cada esforço meu é uma condenação já ditada;
e meu coração está – como um morto – enterrado.
Até quando ficará minh’alma nesta melancolia?
Para onde quer que olhe,
vejo aqui as negras ruínas de minha vida,
onde passei tantos anos que arruinei e perdi.”
Não haverá novas terras, não verás outros mares.
A Cidade te seguirá. Vagarás pelas mesmas
ruas. E nos mesmos bairros envelhecerás;
E entre as mesmas paredes irás encanecendo.
Sempre chegarás a esta Cidade. Para outra terra – não esperes –
não tens barco, não há caminho.
Como arruinaste aqui a tua vida,
neste pequeno recanto, assim
em toda a Terra a puseste a perder.
(Cavafis).

FAVORITOS III

Não venhas sentar-te à minha frente, nem ao meu lado;
não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado
quero só dormir.
Dormir até acordado, sonhando
ou até sem sonhar,
mas envolto num vago abandono brando
a não ter que pensar.
Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre urtigas o que era minha fé,
escrevi numa pagina em branco, “Fim”.
As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
os tronos prometidos não tiveram carpinteiro,
acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
mas nunca encontrei parceiro.
Por isso, se vieres, não te sentes ao meu lado, nem fales.
Só quero dormir, uma morte que seja
uma coisa que não me rale nem com que tu rales -
que ninguém deseja nem não deseja.
Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
as esperanças e ambições que tive,
e hoje sou só um suicídio tardo,
um desejo de dormir que ainda vive.
Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
como um barco abandonado,
que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
sem se lhe saber o passado.
E o comandante do navio que segue deveras
entreve na distancia do mar
o fim do ultimo representante das galeras,
que não sabia nadar. –
(Fernando Pessoa.).

FAVORITOS II

Lembro-me bem do seu olhar.
Ele atravessa ainda a minha alma como um risco de fogo na noite.
Lembro-me bem do seu olhar. O resto...
Sim, o resto parece-se apenas com a vida.
Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.
Olhei para as montras despreocupadamente
e não encontrei amigos com quem falar.
De repente vi que estava triste, mortalmente triste,
tão triste que me pareceu que me seria impossível
viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.
Fumo, sonho, recostado na poltrona.
Dói-me viver como uma posição incomoda.
Deve haver ilhas lá pro sul das coisas
onde sofrer seja uma coisa mais suave,
onde viver custe menos ao pensamento,
e onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
e acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais
nem no dia do mês ou da semana que é hoje.
Abrigo no peito, como a um inimigo a quem temo ofender,
um coração exageradamente espontâneo
que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,
canções tristes, como as ruas estreitas quando chove. -
(Álvaro de Campos?).

FAVORITO I

Daí-me rosas e lírios,
daí-me flores, muitas flores
quaisquer flores, logo que sejam muitas...
Não, nem sequer muitas flores, falai-me apenas
em me dardes muitas flores,
Nem isso... Escutai-me apenas pacientemente quando vos peço
que me deis flores...
Sejam essas as flores que me deis...
Ah, a minha tristeza dos barcos que passam no rio,
sob o céu cheio de sol!
A minha agonia da realidade lúcida!
Desejo de chorar absolutamente como uma criança
com a cabeça encostada aos braços cruzados em cima da mesa,
e a vida sentida como uma brisa que me roçasse o pescoço,
estando eu a chorar aquela posição.
O homem que apara o lápis à janela do escritório
chama pela minha atenção com a s mãos no seu gesto banal.
Haver lápis e aparar lápis e gente que os apara à janela é tão estranho!
É tão fantástico que estas coisas sejam reais!
Olho para ele até esquecer o sol e o céu.
E a realidade do mundo faz-me dor de cabeça.
A flor caída no chão.
A flor murcha (rosa branca amarelecendo)
caída no chão...
Qual é o sentido da vida? -
(Álvaro de Campos?).

EXPLICANDO (MAIS UMA VEZ)

Já disse, mas nunca é demais repetir, que eu (e muita gente melhor do que eu) acho a palavra a invenção mais genial feita pelo homem (pelo ser humano, eu sei, feministas de plantão!). Não adianta virem me dizer que uma imagem vale mil palavras porque logo peço humildemente: "Diz isso sem palavras".Aproveito o ensejo (!) pra explicar aos mais atrasadinhos que, ao contrario do que pensam grandes eruditos, a palavra não é gerada nem foi criada no córtice cerebral, que o vulgo chama de massa cinzenta. O córtice cerebral é que foi criado pela palavra. A ânsia do ser humano (eu sei, machista de plantão, o homem) se exprimir, de, por exemplo, transmitir a outro ser humano que tinha visto um negócio explodindo em fogo vindo do céu: "Rá Rá iii!", criou no breve período de um milhão de anos, a palavra raio.
Daí ao cognitivo da anomia foi um passo (não adianta o leitor tentar entender o que pretendo dizer com isso estou só imitando os eruditos).Por esse meu culto da palavra é que aproveito qualquer oportunidade pra sacanear qualquer pretensão de não só pretender dominar sua substância e uso, mas sequer supor que isso pode ser feito. E, maldição!, Semanticamente está provado que só podemos proibir o que podemos nomear, denominar. Enquanto não havia a palavra mãe, pai, filho, filha, não havia incesto. - (Millôr Fernades.).
PS ATENCIOSO:- O Millôr não faz a minima idéia que um dos seus textos está aqui. Mas como gostei e achei pertinente, postei aqui. Não acredito nessa hipótese, mas se ele quiser pode me processar. Se tiver ganho de causa vai demorar muito pra receber.

ÀQUELES QUE SE ARRISCAM POR AQUI:

Gente, algumas pessoas tem comentado sobre o blog comigo, e confesso que isso me envaidece, sem dúvidas. Mas gostaria que deixassem as suas impressões por escrito, se não for muito atrevimento de minha parte. Não sou avesso as críticas, antes pelo contrário. Elas são bem vindas quando tem por objetivo alertar para falhas de um trabalho que nunca está fechado. Mas acima de tudo gostaria que postassem sugestões para uma melhoria do blog. A dinamicidade é mais que necessária hoje em dia, e é isso que eu gostaria de buscar com a colaboração de vocês. É um espaço aberto para todos, onde eu me ponho apenas como um portador daquilo que escrevo, e do que outros escrevem e eu gosto, e considero egoismo não divulgar. Portanto se tiverem vontade, postem críticas, sugestões e até ofensas, desde que sejam lights, rs. Conto com o carinho que sempre tive de todos que entraram aqui. Obrigado, Dário B., um seu criado.

sábado, 13 de janeiro de 2007

ESSE CARA SABIA DAS COISAS...

Calcula sem cessar quantos são os médicos que morreram depois de haver franzido o cenho tantas vezes à cabeceira de seus doentes; quantos astrólogos que haviam predito com ênfase a morte de outros indivíduos; quantos filósofos que haviam apregoado uma infinidade de sistemas acerca da morte e da imortalidade; quantos guerreiros celebres que haviam imolado milhares de inimigos; quantos tiranos que haviam abusado com terrível ferocidade do direito de vida e morte sobre seus vassalos, como se eles próprios fossem imortais; enfim, cidades inteiras como Pompéia e muitas outras morreram por assim dizer. Lança logo um olhar sobre todos que tu mesmo conheces-te e verás que um já está no túmulo, outro foi enterrado por um terceiro, e este por sua vez por um outro, e tudo isto sucessivamente num espaço de tempo relativamente curto. Numa palavra, não percas nunca de vista a fragilidade e a inconstância das coisas humanas. O homem ontem era um simples gérmen; amanhã será um cadáver ou menos ainda, cinzas. Passemos pois este curto instante de vida conforme nossa natureza; submetamo-nos voluntariamente a nossa dissolução, como a fruta madura que, ao cair, diria-se que bendiz a terra que a produziu e dá graças à arvore que a sustentou. – (Meditações de Marco Aurélio.).
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