domingo, 21 de janeiro de 2007

O QUE É O POETA?

Não importa o nome, talvez hermes, mas era um belo cão de caça. Seu dono porem, não é um caçador, é apenas um poeta. E isso fica claro para hermes um certo dia, de modo dramático. Satisfazia-se até então nos passeios diários, com a corrida tão ruidosa, quanto inútil atrás de lebres e patos. Não conhecia outra coisa. Naquele dia porém, um homem de aparência rude e vigorosa, de pé na outra margem do rio, enviou um relâmpago de uma vara tonitroante, e um pato caiu pesadamente nas águas, logo apanhado pelo solitário caçador. O tiro foi um choque tremendo para hermes, uma espécie de estalo canino. Nunca sonhara com semelhantes possibilidades. Seu amor – o poeta – não pode deixar de sentir um complexo de inferioridade. Na volta para casa, hermes parece repreende-lo, chegando até a bocejar de quando em vez. Fato que enche o poeta de ira amarga. O bocejo diz distintamente: “Belo amo este! Que tipo de dono! Senhor vagabundo!”. Pela justiça das coisas o cão deveria pertencer ao caçador ativo, e não ao dono contemplativo que vive no mundo da imaginação. Este é um dono falso, imposto, que não faz jus aos instintos saudáveis de hermes, e não sabe corresponder-lhe à altura. Não é sem razão que o cão se julga vitima de uma fraude. Seu dono é um charlatão, um ser que representa o que não é. Um “senhor vagabundo” que apenas “passeia” pela vida, mas que não “caça”, que não entra em contato substancial e decidido com a realidade. O poeta vive como que com a mão no gatilho, sem nunca atirar. Mas é seu o reino infinito das possibilidades e da imaginação, ele vive todos os papeis sem optar por nenhum; A opção seria o tiro, o compromisso com a realidade que exclui o pairar na esfera das possibilidades. Seria a identificação definitiva. Mas prefere ser um deus mítico despedaçado que surge ressurecto da tumba. Essa queda, confinamento e morte provisória é seu desenvolvimento espiritual. Essa sua multiplicidade de almas, longe de simbolizar apenas o artista, define a condição fundamental do ser humano, a natureza e o espírito. Entre o animal e o anjo situa-se o poeta. Daí o seu dom de não aderir a vida imediata, de poder afastar-se dela com a leveza da imaginação e do espírito. A catexia é a sua arma. É o champanha composto de vinhos vários, espuma sem substancia sólida, algo das caçadas infrutíferas de hermes. É o alcoviteiro que estabelece comércio entre o espírito e a vida, o saber e a beleza, as alturas e as profundezas, entre Apolo e Dionísio. Deus erótico e fálico, enfim, que não ama a separação e exalta a união entre os seres. Mediador entre o ser e a aparência, a idéia e o esplendor, sensível intercessor alado entre a vida e o espírito. O cão hermes sempre atravessará o seu caminho. O poeta permanece com o dedo no gatilho. Prossegue, sem nunca partir, pairando no reino das possibilidades, mera possibilidade das possibilidades. Relâmpago tonitroante no vôo imaginário do leitor, mercê seu selo hermético. - (Dário B.).

2 comentários:

  1. Dário, passei algum tempo lendo teu blog. Gostei mas faço especial referência a Questões. Palavra forte da criatura para com o Criador... grito de profunda fé! Abraços

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  2. Não sei se entendo...nem o que você escreveu e, vejo agora, tampouco o que eu escrevi.

    Mas gosto. E texto é pra isso, né?

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