Quem escreverá a historia que podia ter sido? Agora quando grito para dentro de mim esperando pelo eco ouço apenas o vazio. Era um cofre que quase não se podia fechar de cheio, pobre esquife agora, restos de tábuas trabalhados as pressas. Vim ao mundo como quem é posto na roda dos enjeitados. Sem régua, compasso, bússola ou dez mandamentos. E embora sempre sentisse muito, nunca tive o que sentir. Toquei e vi mais do que meus olhos e agora tenho medo em pensar o que me restará disso. Cada momento é como sangue novo sob o velho açoite, é como querer beber o fundo do poço que não tem fundo, como navalhas que vem pelo ar com destino certo. E descubro que a vida enjoa. E tenho pena daqueles que rogam aos céus por longevidade e saúde. Pena deste amontoado de gente nas ruas, tão bem vestidos para cobrir a angustia interior, gastando maravilhados um dinheiro que não possuem em inúteis lindas coisas empilhadas nas vitrines. A vida enjoa e eu pasmo de o mundo não ter parado mesmo acontecendo tudo o que me acontece. Tem alguma coisa de errado nisso e eu só consigo pensar em como seria bom dormir, mas dormir a valer, per omnia sécula seculórum. - (Dário B.).
Eu só tenho pressa que o dia passe. Há convenções sociais, cuidados pessoais, há a busca imediata do prazer, mas a fatalidade pingando lenta dos ponteiros do relógio mostra o nada que isso se tornou. Só há realmente a pressa que o dia finde, que finde a noite insone e não haja mais amanhecer. Nada mais de cortesias nem vãos sorrisos obrigatórios. Nada de rotinas e responsabilidades. Nem sentimentos obscuros ou desejos irrealizáveis. E nem o horror do novo por a viagem ser para o ultimo destino é impedimento. O único desejo que resta é esta ansiedade, essa quase angustia que faz o corpo pulsar a espera do fim. Eu só tenho pressa que o dia passe. Pressa que a vida passe. Se pelo menos não demorasse tanto... - (Dário B.).
Este eu não sei o titulo nem o autor, mas quem assistiu o filme deve ter percebido o poema escrito em uma das paredes do sanatório. Não sei porque tenho a impressão que é do Arnaldo Antunes, mas posso estar enganado e por isso confesso minha ignorancia e peço desculpas antecipadas pela falta de crédito. Mas o poema achei fantástico, tem tudo a ver.
Pós postagem: Uma corajosa alma que se arrisca as vezes a passar por aqui me confirmou que a autoria é mesmo do Arnaldo Antunes, o que me faz admira-lo ainda mais. Quem passou por uma situação analoga a descrita no poema e filme sabe do que falo. Obrigado Fabiana, pelo interesse.